O
canto das Sereias
–
Venha! Venha a nós! Odisseu tão glorioso! Honra dos aqueus! Pare teu barco:
Venha escutar nossa voz! Jamais um negro barco dobrou nosso cabo sem ouvir o
doce ar que sai de nossos lábios...
(A Odisséia - Homero).
Assim
cantavam as sereias, em algum lugar do Mar Tirreno, cercado de rochas e recifes, entre a ilha de Capri e a costa da Itália, de localização
variável de acordo com a versão do mito.
Depois da guerra de Troia, Odisseu
(também conhecido como Ulisses), em sua viagem de volta para casa, em Ítaca, teve
que parar na ilha de Eana, habitada pela feiticeira Circe, onde
permaneceu por algum tempo.
Antes de partir para continuar sua
viagem, Circe lhe alertou sobre os perigos que ele encontraria ao passar pela
ilha das sereias.
As
sereias, seres mitológicos, metade peixe, metade belas mulheres, habitavam
pequenas ilhas rochosas do mar Mediterrâneo. Eram tão lindas e cantavam com
tanta doçura que atraíam os tripulantes dos navios que passavam por ali; elas
tinham, na verdade, o poder de enfeitiçar, com seu doce e maravilhoso canto,
todos que o ouvissem, de modo que os infortunados marinheiros, ao fazê-lo, não
conseguiam resistir e se atiravam ao mar, onde elas os afogavam.
Odisseu,
o mais astuto e inteligente guerreiro que lutou contra Tróia, era também dotado
de extrema curiosidade, querendo a qualquer custo ouvir o canto das sereias.
Depois de
muito pensar, decidiu encher os ouvidos de seus remadores com cera, para que
não fossem enfeitiçados pelo canto e ordenou que o amarrassem fortemente a um
mastro, para ouvi-lo em segurança. Odisseu enlouqueceu ao ouvir o canto das
sereias, mas como estava preso, sobreviveu à maravilhosa experiência.
Assim
contava a lenda de Homero na Grécia antiga.
É uma
bela história e talvez dela possamos tirar muitas e preciosas lições.
Por que os
homens se atiravam para a morte, depois de ouvir tal canto? Queriam morrer?
Certamente que não!
Na
verdade ao ouvir tão doce canto, vindo de tão belas mulheres, com certeza os
marinheiros deviam criar uma expectativa de que, ao se lançarem a elas, teriam
prazeres inimagináveis.
Se
pensarmos bem, todos nós temos uma tendência de criar expectativas a respeito
de muitas coisas, no mais das vezes nos decepcionando amargamente quando elas
não acontecem.
Vamos
imaginar um exemplo:
Vamos
supor que, em seu emprego, onde está há bastante tempo, você é muito dedicado e
desenvolve um excelente trabalho. Um dia, ouve a notícia de que alguém vai ser
promovido na empresa; um cargo melhor, maiores salários, etc.
Você logo
imagina:
- Hum, talvez
seja eu; afinal sou bem antigo na empresa e muito dedicado.
Em
seguida começa a imaginar como seria bom ocupar aquele novo cargo; mais status na
empresa, o conforto que lhe traria um salário mais alto, o orgulho que sentiria
de si mesmo, etc.
Com o
passar dos dias, a ideia começa a ganhar corpo; você não consegue parar de
pensar no assunto e, cada vez mais, passa a acreditar que só pode ser você; sua
expectativa começa a aumenta muito.
Um belo
dia você recebe, com surpresa, a notícia que um novato, não tão esforçado, é
promovido para o tão sonhado cargo.
A notícia,
fulminante, cai como um raio; de repente todos os seus planos desabam, seu
sonhos se evaporam.
Você se
decepciona profundamente, fica desolado, desmotivado para o trabalho; passa a
se dedicar e a desempenhar cada vez menos; começa a faltar no trabalho, até que
acaba por ser demitido.
Você
criou uma grande expectativa sobre algo que, no final, nunca aconteceu.
E por
quem deveria acontecer? A expectativa nada mais é do que o fruto de nossa
imaginação; o modo como gostaríamos que as coisas acontecessem; mas no fim, a
realidade é sempre outra.
Eu
costumo dizer que, neste caso, ouvimos “o canto das sereias”; criamos uma
grande expectativa em cima de um sonho, uma ilusão, que tinha pouquíssima
chance de se concretizar; que no final acabou por nos causar um grande sofrimento,
podendo até mesmo nos destruir.
Então
para que ouvir o “canto das sereias”?
Se você
espera ou deseja alguma coisa, não crie falsas expectativas (até porque as
verdadeiras não existem), tenha paciência, espere pelos acontecimentos e veja o
que realmente acontece; se algo de bom ou de ruim.
De alguma
forma, como na lenda, “encha os ouvidos de cera”, ou então, esteja fortemente
preso à única coisa realmente segura, à realidade.
Agindo
desta forma, podemos nos poupar de uma grande e certeira desilusão.
Pense
nisso.