sexta-feira, 24 de abril de 2015

O CAMINHO DE KANNAGARA



O CAMINHO DE KANNAGARA

-KANAGARA NO MICHI-

Desde tempos remotos, é comum à maioria das culturas orientais o conceito do Caminho, a ser seguido por todos aqueles que, pelas mais diferentes formas, buscam um aprimoramento pessoal e/ou espiritual, seja através da prática de uma arte marcial, meditação, Yoga, etc. O Caminho era o meio através do qual se podia atingir a iluminação do espírito.

Contudo, no Japão antigo, surgiu um conceito diferente de Caminho, cujas origens se perderam na aurora dos tempos e que quase foi completamente esquecido; o Caminho de KANNAGARA. Quase místico em seu conceito, etéreo em seu conteúdo, simples em se curso, guiava seus seguidores através dos caminhos da autodisciplina, conduzindo-os a um estado elevado de aprimoramento físico e espiritual, através do qual se podia chegar ao SATORI: a iluminação espiritual suprema.

Por suas simplicidade e pureza, era seguido por todos que buscavam um aprimoramento espiritual, mas principalmente pelos Samurais, para os quais a autodisciplina era fundamental.

- O KANNAGARA é a origem do Xintoísmo, mas não é uma religião nem uma filosofia;
- Não tem fundador nem escrituras sagradas;
- É a corrente de energia criadora que vai do passado ao futuro;
- Trata-se de um modo de vida que busca a verdade e a realidade da perfeição dos processos da natureza.

O KANNAGARA é um caminho de intuição. Não existem leis escritas nem doutrinas rigorosas acerca do certo e do errado. As únicas leis são as que governam os fenômenos naturais e promovem a harmonia.

O KANNAGARA é um caminho de suprema liberdade, pois a ação apropriada para funcionar em harmonia com a natureza ocorre espontaneamente.
Para o fiel seguidor do Caminho, todas as ações brotam de um respeito inconsciente e sincero, de um reconhecimento da perfeição e da harmonia desses processos.

Assim, KANNAGARA seria um estado em que alguém está perfeitamente harmonizado com o funcionamento da natureza, em todos os aspectos da vida. Nesse estado ideal pode-se agir natural, espontânea e sinceramente, livre de artifícios e duplicidade.

O KANNAGARA engloba o fazer com espírito. O trazer o espírito e atividades humanas junto à perfeição e a harmonia da Natureza.
A perfeição e a harmonia da Natureza pode ser o desabrochar de uma flor, pode ser a beleza e a solidez das montanhas, a pureza da neve, o frescor da chuva leve ou da suave brisa. KANNAGARA significa a existência em comunhão com estas formas de beleza e, através disto, alcançar o mais alto nível de experiência de vida.

KANNAGARA é a perfeição do puro, inquebrável fluxo de qualidade e excelência e amplidão por si própria.

KANNAGARA NO MICHI – É o caminho do sábio. A palavra para sábio “HIJIRI”, significa literalmente “o que entende o espírito”.


Amparado nas filosofias do Caminho de KANNAGARA, o Samurai não fazia distinção entre o mundo físico e o espiritual. Se seu corpo se movimentava de modo refinado e elegante, elegante e refinado era seu espírito. Quando se exercitava para apurar a técnica física, influenciava fortemente o aperfeiçoamento do espírito.

sábado, 18 de abril de 2015

O CAMINHO



O CAMINHO


Muitos que tiveram algum contato com as filosofias orientais, já ouviram falar alguma vez sobre o “Caminho”; conceito meio abstrato, etéreo. Não se trata de algo físico, que possa ser visto ou tocado, mas também não é algo que dependa de algum tipo de crença ou fé, para ser alcançado. É algo que se refere a seguir determinado modo de viver ou se comportar, visando alcançar uma evolução espiritual.
Não é uma coisa que possa ser seguida por qualquer pessoa; talvez só por aquela que se empenhem na busca constante do autoconhecimento.
Segundo o Taoismo, o TAO ou Caminho é uma coisa que não pode ser definida.
Pode ser que não, mas dá para pensar um pouco a respeito e tentar entender um pouco melhor esse difícil conceito.
Começo pelas artes marciais; muitas delas tem em seu nome a palavra DO, que em japonês significa Caminho (não no sentido de uma estrada, via, ou mesmo uma trilha); assim, temos o Aikido, Judo, kendo, etc. Em todas elas, o termo DO quer dizer que o praticante deve seguir um Caminho para o aprendizado ou evolução; deve direcionar seu treinamento, sua conduta e comportamento visando uma evolução pessoal/espiritual.
Não seguir o Caminho, seria treinar técnicas de forma aleatória, sem um objetivo ou meta, o que não levaria a resultados muito efetivos.
Mas isso é pouco para se entender o conceito, o Caminho é mais do que uma simples conduta, método de treinamento ou comportamento.
Para avançar um pouco, é preciso se aprofundar um pouco mais nas filosofias orientais:
A filosofia oriental identifica duas forças: Yang e Yin, positivo e negativo, macho e fêmea, o sol e a lua, etc.; tudo tem seu par. Não há prazer sem dor, não há amor ser ódio, não há força sem fraqueza, não há vitória sem fracasso.
Porém, o discernimento racional vê os extremos como opostos, uma dicotomia na qual estes opostos estão em conflito. As ilusões desta dualidade precisam ser desmascaradas para que a espontaneidade da verdade possa se manifestar.(1)
Isso porque estas coisas que vemos como opostos são, na verdade, complementares; como as duas faces de uma mesma moeda; amor e ódio, alegria e tristeza, prazer e dor, etc.; um não existe sem o outro.
Cada um de nós traz o conflito e a criatividade dentro de si como duas forças naturais. Uma vida bem vivida não se resume a ser criativo ou destrutivo, mas exige um fluxo constante entre estes dois pontos.
Devemos aceitar o fluxo natural que nos conduz por meio de todos os elementos da vida: da força à fraqueza do amor ao ódio, da dúvida à certeza.
A consciência, que provoca o relaxamento e, portanto, a paz, está no interior do próprio fluxo.
A consciência e, consequentemente, a paz está obscurecida em qualquer um dos dois extremos desses fluxos, ao passo que as benesses da consciência ficam plenamente a nossa disposição quando fluímos ao longo do Caminho do meio, jamais permanecendo num ou noutro extremo.
No entanto, fluir pelo Caminho do meio não é reprimir os extremos. Ao indicar o Caminho, não estamos proibindo os inúmeros campos que existem dos dois lados. Acontece que os campos da alegria e do sofrimento assumem um aspecto diferente quando estamos confortáveis e relaxados no Caminho do meio, da atenção consciente.
As flores e os espinhos ficam bem mais visíveis quando não estamos afundados no meio deles.(2)
É uma bela descrição de como seguir o Caminho, mas muito pouco esclarece sobre como chegar a ele ou o que ele realmente é.
Acho que foi só com minhas experiências do tempo em que era montanhista, que comecei a vislumbrar levemente o conceito. As vezes caminhava-se muitos dias para se chegar a algum lugar, a um cume; no mais das vezes a decepção era grande, pois o lugar a que se chegava não tinha nada de especial, as vezes era até mesmo sem graça.
Com o tempo, fui percebendo que o que me encantava não era chegar aos lugares distantes, mas sim percorrer o caminho até eles; aos poucos fui prestando mais atenção às belezas do percurso e ao modo como eu passava a interagir com elas; belas fotografias começaram a ser tiradas de coisas lindas, mas que eu nunca havia prestado atenção; deliciosos banhos de cachoeira nas tardes quentes, onde nunca havia parado para não perder tempo; o companheirismo dos amigos que seguiam junto, mas que nunca havia sido devidamente valorizado; etc.
Isso, aos poucos foi mudando minha forma de encarar uma atividade que eu adorava, mas que até então não conseguia desfrutar em sua plenitude, por estar com o foco no local errado.
Hoje o Caminho que sigo como praticante de Aikido e que mudou minha vida é bem diferente, mas com certeza essas experiências foram, para mim, a descoberta da porta de entrada do Caminho.
É, com certeza o Taoísmo está certo: o Caminho é uma coisa que não pode ser definida, mas pode ser percorrido por aqueles que se predisponham a se empenhar em desenvolver o autoconhecimento, com disciplina, concentração e determinação.


Referência:

1- Mitsug Saotome

2- Philip Doon

sábado, 11 de abril de 2015

O AIKIDO E O KI



O AIKIDO E O KI


Na última postagem, escrevi sobre o KI, energia vital que todos possuem, e seus eventuais efeitos sobre os praticantes do Aikido.
Hoje pretendo falar sobre o Aikido, cuja filosofia está intimamente ligada ao KI, seus efeitos e influência. Chego mesmo a dizer que o KI é uma das essências do Aikido, sem o qual esta arte marcial sequer existiria. Basta observar que o KI faz parte da palavra AiKiDo.
Porém, o KI é entendido de diferentes formas por diferentes Senseis ou Dojos. Quero deixar claro que os pensamentos apresentados a seguir representam apenas os meus pensamentos ou conceitos a respeito do KI, não desmerecendo o modo de encarar esse conceito por outras pessoas.
Dentre os praticante de Aikido há aqueles que acreditam que podem desenvolver seu KI a ponto de dominar ou controlar o oponente apenas com ele, ficando a técnica  quase em segundo plano; já outros, vendo tal atitude (que logicamente não funciona), simplesmente renegam o KI, fazendo de seu Aikido uma mera aplicação de técnicas (que tampouco pode produzir resultados satisfatórios). Não critico nenhum dos dois métodos, mas vejo a coisa de modo diferente.
Começo com alguns conceitos básicos de nossa arte marcial: no Aikido não se faz força, correto? Errado! Faz-se e muita. O conceito apenas diz que não devemos nos opor ao esforço do oponente; mas na hora de aplicar uma técnica, deve-se aplicar um esforço concentrado em um ponto específico do corpo do oponente para maximizar o efeito dessa técnica.
E não podia ser diferente; do ponto de vista da física clássica, força ou trabalho (movimento) é o resultado da aplicação de algum tipo de energia. Não há força ou movimento sem o uso de energia.
O modo como esta energia é usada na aplicação de uma técnica é que define como o KI esta sendo usado.
Uso como exemplo o “YonKyo”. Canso de ver praticantes desprendendo um esforço (energia) enorme na tentativa de aplica-lo, sem sucesso. Se fosse possível enxergar a energia, ver-se-ia que ela irradiaria em todas as direções e existiria em muito pouca quantidade no ponto de aplicação da técnica. Por outro lado, em um praticante avançado, ver-se-ia uma quantidade imensa de energia (força) na área de aproximadamente 2 cm2 , localizada entre seu indicador e polegar, causando ali um esforço tremendo que facilmente controlaria o oponente. Vale lembrar que, por ser em uma área tão diminuta, quem está aplicando a técnica dificilmente sentiria que está fazendo força, mas está.

Esta técnica foi apenas um exemplo, porque para mim é onde é mais fácil enxergar a concentração de força/energia em um ponto diminuto, mas o princípio tem que valer para todas as técnicas. Sem deixar de dar ênfase à execução dos movimentos, não se limite a isso, estude e treine como concentrar sua energia (KI) no ponto onde ela melhor produzirá a força ou o movimento necessário para que a técnica seja suave, elegante, porém eficiente, evitando desperdiçar energia com movimentos desnecessários que só servem para cansar o corpo e exaurir a energia.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

KI - A ENERGIA VITAL



O KI E O AIKIDO


Existe em cada um de nos uma energia vital que impregna nosso corpo e mente e que nos mantém vivos e ativos. Uma energia que nos dá forças para a prática de atividades físicas, ou pura e simplesmente executar nossas atividades diárias.
Para os Japoneses, a energia se chama KI, para os chineses CHI, para os Indus PRANA, e assim por diante.
Contudo, o conceito oriental de KI, como sendo uma energia universal, não antropomórfica1, livre e que permeia todas as coisas, o tempo todo, é de difícil compreensão para nossa cultura ocidental, ou nossa formação científica. Através deste conceito, esta energia emana das montanhas, das águas, florestas, etc., conceito este que, em antropologia, é conhecido como animatismo2.
Do ponto de vista da física clássica, energia é qualquer coisa capaz de produzir força ou trabalho (movimento). Assim, a energia eólica faz mover os moinhos, a energia térmica faz mover as máquinas a vapor e assim por diante, até chegarmos à digestão, em que o processamento dos alimentos fornece energia aos músculos, produzindo força e movimento.
Ainda segundo a cultura oriental, o kanji para a palavra KI, é formado por dois elementos, um representando “arroz”, o outro “vapor”. Isto remete à ideia de que o Ki estaria relacionado com o alimento (arroz cozido). Sob a luz da ciência, a energia que movimenta o corpo é proveniente da alimentação, que, pelo processo da digestão, converte o amido em maltose, glicose, chegando, por fim a moléculas de Trifosfato de Adenosina – ATP, que, juntamente com o oxigênio, obtido pela respiração, fornece a energia necessária ao funcionamento das células. Desta forma, uma pessoa bem alimentada e com regular capacidade muscular, é, consequentemente, dotada de muita energia.
Isto, guardada as devidas proporções, coincide, em parte, com a ideia original de KI, neste caso não uma energia que se encontra em todas as coisas, mas pelos menos em todos os seres fortes e bem nutridos.
O KI é um conceito muito presente na prática do Aikido; eu diria até que é um dos fundamentos e um dos princípios mais importantes desta Arte Marcial.  Os praticantes de Aikido, estudam a energia interna do corpo, que quando desenvolvida, expandida e corretamente direcionada, através dos treinos e da prática constante, lhes permitiria controlar, de forma mais satisfatória, seus oponentes, tornando suas técnicas mais elegantes, leves e, conseqüentemente, eficientes.
Tentar praticar Aikido sem pensar em desenvolver e aplicar esta energia, acabaria transformando o praticante num mero executor de técnicas, fazendo-as de modo mecânico e ineficiente. No outro extremo, um praticante que se preocupa excessivamente em desenvolver e controlar esta energia, dando pouca atenção à técnica, acabaria por acreditar que poderia imobilizar ou controlar seus oponentes apenas com sua energia, praticamente sem contato físico. Nenhum dos extremos caracteriza a boa prática do Aikido. Um conceito do Taoísmo nos ensina que a verdadeira sabedoria consiste em seguir o “caminho do meio”, afastando-nos dos extremos.
Então, se todas as pessoas são dotadas de muita energia, o que diferencia uma pessoa normal do praticante avançado de Aikido, de quem se diz ter expandido seu KI e consegue, com esta energia, facilidade e eficiência na aplicação das técnicas?
Isso não só para o Aikido, mas para qualquer outro atleta que se sobressai de maneira brilhante em seu esporte.
Eu faria uma comparação grosseira do KI com a luz! A luz é formada por ondas eletromagnéticas, que se propagam no espaço. Sob este ponto de vista, uma pessoa normal, ou um iniciante em Aikido, seria igual a uma lâmpada; embora dotado de bastante energia, sua luz (ou as ondas eletromagnéticas) se propaga aleatoriamente em todas as direções. Já um praticante avançado, seria igual a um raio laser, onde as ondas eletromagnéticas não mais se propagam ao acaso, mas são agrupas e direcionadas em um único feixe de luz, com uma eficiência incrível. A título de exemplo, uma lâmpada de 100 W é capaz de iluminar satisfatoriamente uma sala pequena; um laser de 100 W tem uso militar, com capacidade de destruição muito grande.
Pense em um lançador de dardo; no momento do arremesso, toda sua energia está concentrada no ato de arremessar o dardo com força e na direção correta; daí vem os recordes.
Certamente, qualquer que seja a atividade, o caminho exige muito treino; no Aikido não mais executar a técnica de forma mecânica, tentando apenas imitar os movimentos do Sensei, mas mudando o enfoque da prática, dando mais ênfase ao controle da respiração durante sua aplicação, à energia envolvida na técnica, tentando direcioná-la no sentido do esforço do oponente e não mais tentando aplicá-la onde você havia planejado.
Mas não é só na prática de artes marciais ou esportes que esta energia pode ser utilizada; em qualquer das atividades do dia a dia, conseguir focar suas energias em um determinado trabalho, concentrá-la em alguma atividade, fará com que os resultados obtidos superem as expectativas e se tornem mais fáceis e eficientes.
Em resumo: O Ki está dentro de nos! Encontrá-lo e desenvolvê-lo depende de nossa capacidade de seguir o Caminho, desenvolvendo nosso auto conhecimento e direcionando nossa energia para usá-la de forma mais efetiva.


Finalizando, vale citar as palavras do Sensei Mitsug Saotome:

 “ O treinamento para desenvolver um Ki forte, não é o treinamento do Caminho; que o Ki seja forte ou fraco é irrelevante, pois o forte pode ser mau e o fraco bom. A única característica a ser buscada no KI, a única realmente importante é a pureza.”


[1] -Antropomorfismo é uma forma de pensamento que atribui características ou aspectos humanos a Deus, deuses, elementos da natureza, animais e constituintes da realidade em geral.


2 - Animatismo - A mais primitiva das concepções sobrenaturais, atribui a todas as pessoas, animais e coisas que existem uma entidade sobrenatural que as anima e controla. O termo foi introduzido por Marrei (1866-1943).