sexta-feira, 26 de junho de 2015

FAIXA ERRADA



FAIXA ERRADA

O FUNCIONÁRIO PÚBLICO E A PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE

O serviço público, seja em que esfera for, concentra o maior número de pessoas incompetentes, despreparadas, vagabundas e quantos adjetivos pejorativos a mais se queira acrescentar.
Falo com bastante propriedade, pois sou um deles e sei das dificuldades que enfrentei cada vez que precisei reunir um pequeno número de funcionários para montar uma boa equipe de trabalho.
Estes maus funcionários deveriam permanecer estagnados na carreira, com baixos salários a que fazem jus. Porém, aí entra a perversidade maior do serviço público: a promoção por antiguidade, que permite a esta escória progredir na carreira apenas pelo tempo em que são funcionários.
Todos (pelo menos aqueles que ainda continuam lendo o artigo) devem estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com o Aikido.
Infelizmente, tem bastante. Tenho visto, ao longo dos anos, que alguns alunos, embora muito antigos e frequentadores assíduos, por mais que treinem, não conseguem desenvolver uma boa técnica, ficando estagnados.
Mesmo assim, muitos Senseis, para que eles não desanimem e parem de treinar ou para “dar um incentivo a eles”, acabam indicado-os para prestar exame e mudar de faixa.
E, como se sabe, hoje em dia, ninguém mais é reprovado.
Se no serviço público este fato apenas onera os cofres públicos, no Aikido penso que a situação é bem mais grave e pode levar a situações perigosas.
Explicando: eu procuro adequar a intensidade da aplicação de cada técnica de acordo com a faixa que o Uke tem amarrada na barriga; com um faixa amarela, jamais aplicaria uma técnica como faço com um marrom ou preta, por exemplo.
Porém, com essas “promoções por antiguidade”, as vezes pode ocorrer de eu aplicar uma técnica em alguém, de uma forma que ele não está preparado para receber e acabar provocando algum dano.
Aconteceu comigo, há algum tempo, com uma pessoa que eu gostava muito e que portava na barriga uma faixa verde; durante a aplicação de uma técnica (que eu apliquei de forma compatível com um verde), ele não soube cair e acabou tendo um problema sério no diafragma por causa da queda. Dias depois meu Sensei repetiu a técnica com vários alunos, sem que ninguém saísse machucado.
Em resumo: Aquela pessoa não deveria, em hipótese alguma, portar uma faixa verde, pois não estava prepara para isso.

Não quero, de forma alguma, criticar os Senseis, pois sei que cada um tem seus critérios de avaliação para indicar os alunos para prestar exame, mas apenas alertar os outros praticantes para o fato de que nem sempre se poder confiar na relação que deveria existir entre a graduação de um praticante e aquilo que ele realmente sabe tecnicamente.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A COMPETIÇÃO NAS ARTES MARCIAIS



A COMPETIÇÃO NAS ARTES MARCIAIS


Desde que o homem se fixou à terra para cultivá-la, começou a acumular riquezas, que passaram a despertar a cobiça de outras pessoas, obrigando o produtor a desenvolver métodos de defesa que garantissem a segurança sua e de seus bens.
Posteriormente, nos campos de batalha esses métodos de defesa evoluíram pela necessidade dos guerreiros de desenvolverem e aperfeiçoarem métodos de combate ou de defesa, que aumentasse suas chances de sobreviver aos conflitos.
Assim surgiram as diversas artes marciais que hoje conhecemos, todas elas criadas e desenvolvidas para enfrentar algum tipo de conflito.
Nos tempos de paz, essas técnicas eram ensinadas em escolas especializadas, onde as pessoas buscavam esses ensinamentos, muitas vezes com o objetivo de assimilarem seus conceitos, melhorarem a auto disciplina ou pura e simplesmente de aprender um tipo de defesa pessoal.
Talvez por influência da cultura ocidental, muitas artes marciais passaram a ser praticadas como competição, muitas até virando esportes olímpicos.
Isso, porém, descaracterizou estas artes marciais como método de defesa pessoal passando a ser uma mera competição.
Um texto de Mitsug Saotame, compara essa degradação sofrida em função dessa mudança de enfoque em algumas artes marciais, com aquelas que ainda são baseadas em um Budô (como o Aikido):

“... Adestrar-se no budô é estudar a realidade. A verdade da realidade não pode ser percebida por um coração repleto de questões sobre vitória ou derrota.
Quando o objetivo do adestramento é vencer, desenvolve-se uma consciência esportiva. Torna-se um jogo, não a realidade. Tem de haver regras pra proteger os competidores e o resultado nada decide.
Eis as únicas perguntas feitas na competição: Quem é o mais forte, segundo as regras? De quem é a técnica mais fulminante, segundo as regras? Nunca conheceremos o verdadeiro eu por meio da competição, pois jamais conheceremos as nossas verdadeiras reações, mas apenas a nossa estratégia.
Quando se está à beira do castigo supremo, quando a única resposta é  a vida ou a morte, a reação – portanto o resultado – é completamente diferente. Livre de regras, sendo a sobrevivência a única consideração, os muito fracos podem tornar-se muito fortes e os muito fortes, podem perder a sua força, em virtude do medo.
Quando a vida não está em jogo, é fácil esquecer que a força física e a habilidade técnica tem limites. O ego quer esquecer essas limitações e agarrar a oportunidade de crescer numa proporção surreal. A verdade se perde e o treinamento se distorce.
A força espiritual do treinamento do Budô desaparece quando a questão de vida e morte não é relevante. Se você se apega à vitória, como renunciará ao apego à vida e à morte? Como renunciará ao ego para penetrar na mente do inimigo?

O Budô não é esporte. É um caminho, uma atitude de vida.”...

sexta-feira, 12 de junho de 2015

GIRI



GIRI

Creio que não existe uma tradução exata para esta palavra japonesa. Mesmo o conceito de GIRI é de difícil compreensão para a cultura ocidental. Certa vez, uma Sensei da qual fui aluno e por quem sempre tive uma grande admiração, traduziu GIRI como “a obrigação de sentir gratidão”; por muito tempo pensei a respeito da resposta, mas era impossível compreender como alguém poderia sentir gratidão apenas por obrigação.
Na época, antes de cada aula, varríamos e passávamos um pano úmido no tatame; uma forma de contribuir com a aula que se seguiria, com a própria academia onde iríamos treinar e onde estávamos aprendendo uma Arte Marcial.
De tempos em tempos, ajudávamos em pequenos reparos que eram necessários no Dojo, para que, com isso, tivéssemos um lugar melhor para treinar.
Fazíamos isso voluntariamente e creio que até sentíamos um certo orgulho de estar colaborando com a academia, onde vários Senseis nos ensinavam, pacientemente, os conceitos e técnicas do Aikido. Aos poucos, fui percebendo que fazíamos isso, as vezes um trabalho árduo, pela gratidão que sentíamos pelos nossos Senseis e pelo Dojo, por estarem nos transmitindo ensinamentos tão valiosos.
Pensando desta forma, me veio à mente um conceito que, apesar de não ser uma tradução exata do termo GIRI, representava o que eu sentia a respeito dele: GIRI representaria “as obrigações advindas da gratidão”. Assim, por sermos gratos a nossos Senseis, sentíamo-nos na obrigação de retribuí-los de alguma forma.
Isto em mim permanece até hoje; não só pelo Kawai Sensei, mas por todos os Senseis com quem treinei.
Porém, infelizmente o conceito de GIRI está caindo no esquecimento; o assunto não é mais comentado em aula e não percebo nos colegas este sentimento de gratidão.

Hoje, é triste constatar que a maioria  dos antigos conceitos estão se perdendo; creio que a maioria dos alunos atuais sequer ouviu falar em GIRI e tampouco desenvolveu, por seu Sensei, ou por seu Dojo, qualquer sentimento de gratidão. 

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O MITO DE MIYAMOTO MUSASHI



O MITO DE MIYAMOTO MUSASHI


Muitos praticantes de artes marciais veneram a figura de um famoso espadachim do Japão medieval, chamado Miyamoto Musashi (1584? – 1654), de quem dizem ter sido o maior Samurai que já existiu, não tendo nunca perdido um duelo. Esses admiradores ressaltam as virtudes e qualidades quase divinas deste espadachim, tomando-o como exemplo a ser seguido e venerando-o como a um Deus.

Porém, a coisa pode não ser bem assim. A história de Musashi é um pouco diferente daquela idealizada por seus admiradores. Talvez, influenciada pelo romance de Eiji Yoshikawa que em vez de retratar a vida desse espadachim, mistura romance e ficção, distorcendo a realidade dos fatos.

Para começar, o maior espadachim do Japão medieval, pode ter sido Yagyu Munenori, instrutor de combate com espadas e membro da guarda pessoal de três gerações do clã Tokugawa (os Shoguns: Ieyasu, Hiderada e Nobuyasu).
Em uma passagem, durante o cerco ao castelo de Osaka, um grupo de vinte ou trinta homens do inimigo surpreendeu e invadiu o acampamento de Tokugawa Hiderada; os homens do Shogun foram surpreendidos, enquanto os invasores rapidamente se dirigiam ao Shogun. Ali, entretanto, eles confrontaram um Samurai de meia idade que aguardava calmamente em frente ao cavalo do Shogun; o homem deu um passo à frente e, com incrível rapidez, destreza e graça, matou sete atacantes, dando aos guardas do Shogun tempo para se reagruparem  e contra atacar os inimigos; este samurai era Yagyu Munenori.(1)

Outro fato que desqualifica e desmoraliza completamente Musashi como Samurai, foi o ocorrido na batalha de Sekigahara; Musashi lutava do lado dos Toyotomi (lado que perdeu a batalha) e teve que fingir-se de morto para sobreviver(2). Ora, isso é inadmissível a um Samurai, para quem a honra está acima de qualquer coisa e para o qual é preferível morrer a conviver com a desonra.

Um Samurai sempre teve um especial cuidado com o asseio e a aparência; antes de partir para um combate, cortava as unhas, banhava-se e perfumava-se; se fosse morto em combate, não queria que o oponente pensasse que ele era um qualquer.
Musashi, ao contrário, vestia-se e portava-se feito um mendigo, não se importava com a roupa que usava e raramente penteava os cabelos. Não tomava banho, pois dizem que nunca largava as espadas para nada.(2)
Passava longos períodos vivendo no meio da mata, em condições duríssimas, testando seus limites.

Outro fato que compromete sua honra (se é que um dia a teve) envolve a morte, em duelo, de um jovem de 13 anos da família Yoshioka. Musashi desafiou e venceu vários membros da família, até que sobrou apenas o garoto para enfrenta-lo; Musashi deveria ter poupado a vida de um simples criança, mas ao contrário, matou-o e fugiu de vários outros membros da academia Yoshioka, numa fuga alucinada. Por mais essa desonra, Musashi deveria ter cometido seppuku.

No fim de sua vida, no entanto, Musashi foi viver como eremita em uma caverna, onde dedicou-se a escrever um dos mais fantásticos livros sobre tática e estratégia, intitulado: “O Livro dos 5 Anéis”, comparável ao “A Arte da Guerra “ de Sun Tsu, ou ao “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel. Por esta maravilhosa obra, sim, o reverencio.


1-      A ESPADA QUE DÁ VIDA – Editora Cultrix

2-      MUSASHI – Karem Gimenez – Editora Abril