quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

COMO NASCEM OS GUERREIROS?




COMO NASCEM OS GUERREIROS?


Antes de tentar responder a essa pergunta difícil, vale uma pergunta ainda mais difícil: O que é um guerreiro?

Teria que discorrer longamente, páginas e mais páginas, para tentar explicar, ainda que superficialmente o que vem a ser um guerreiro; e ainda assim, não conseguiria defini-lo em sua essência.

Mas, atendo-se ao mais básico dos conceitos, ser um guerreiro não significa praticar artes marciais, ter treinamento militar, ir ou não para a guerra. Ser um guerreiro depende mais da postura que se assume perante a vida; do modo como se enfrentam as adversidades, os perigos e, principalmente, a morte.

Ser um guerreiro é encarar a morte, olhar bem no fundo de seus olhos e desafiá-la; é negar-se a ser dominado pelo medo; é seguir em frente, quando todos recuam, seja nos conflitos diários que a vida nos apresenta, seja em uma batalha em uma guerra real.

Algumas pessoas já nascem guerreiras; são bebês que nascem muito prematuro e fraquinhos, ou com problemas graves de saúde, com poucas perspectivas de viver; mas que, mesmo contra todos os diagnósticos desfavoráveis, se agarram à vida e lutam por ela com uma força descomunal, indo contra todas previsões pessimistas, acabando por vencer a primeira batalha de suas vidas. Com certeza, crescerão como guerreiros.

No extremo oposto, há pessoas que nunca se tornarão guerreiras. Adotam uma atitude passiva, perante a vida e seus desafios, e nunca juntam coragem suficiente para enfrenta-los. As vezes passam anos praticando uma arte marcial, na esperança de, talvez com isso, conseguir enfrentar seus temores; mas não tem coragem de treinar, de forma séria, um método de defesa pessoal. Normalmente fogem ou simplesmente paralisam de medo diante da menor situação de perigo.

São casos extremos. Há sempre o caminho do meio. Porém, no mais das vezes é um caminho longo e extenuante, pois os verdadeiros guerreiros são forjados a sangue, suor e lágrimas.

Muitos foram os caminhos que levaram pessoas simples a se tornarem guerreiros; cito, com exemplo, um caso especial, de um menino que, cansado de apanhar dos colegas de escola, aos 14 anos entra em uma academia de Capoeira. Era medroso, mas resolveu enfrentar a situação, pois esta era insustentável e não podia mais conviver com a violência dos colegas maiores. A Capoeira, neste tempo, era bastante violenta e ao entrar na roda para jogar, as chances de se machucar eram grandes; como realmente ocorreu várias vezes com ele.

No início, entrar na roda para jogar era um martírio, um momento de grande tensão e medo; mas, com o tempo e com treinos fortes e pesados, começou a progredir nas técnicas e encarar aquilo sem receio, sabendo que entraria na roda e poderia até ser atingido por algum golpe, mas que acertaria vários e que já sabia se defender.

De tímido e medroso, tornou-se violento; já não tinha medo de ninguém. Embora não procurasse briga, não mais fugia de nenhuma, tendo, porém, machucado muita gente. Estava muito longe de ser um guerreiro, mas tinha vencido algo importantíssimo: o medo de morrer.


Muitos anos se passariam até que este menino, já velho, se cansasse dessa situação; sabia se defender bem, mas era muito agressivo. Mais um tempo se passaria até que este velhinho encontrasse o Aikido, que daria novo sentido à sua vida, diminuindo sua agressividade e apresentando um caminho para que ele viesse a se tornar, um dia, um verdadeiro guerreiro: o Guerreiro da Paz.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A LINGUAGEM DO CORPO




A LINGUAGEM DO CORPO


Todo cachorro, quando abanana o rabo, mostra que está feliz; já um gato, quando balança o rabo, é sinal de que está bravo. São ações involuntárias, mas que nos acostumamos a interpretar e usamos para identificar seus estados de espírito. E os exemplos no mundo animal são muitos; o polvo muda de cor, quando está nervoso; etc.

Existe uma espécie de “linguagem corporal” em que, pequenos gestos ou movimentos involuntários, nos indicam como será o comportamento de quem os produz.

Mas não é só no mundo animal que isso ocorre; a linguagem corporal é especialmente desenvolvida nos seres humanos; resquícios talvez de nosso processo evolutivo, quando ainda não dominávamos a fala e só nos comunicávamos por gestos. Só que os gestos voluntários são a mesma coisa do que mímica e não é a isso a que estou me referindo. Refiro-me à capacidade desenvolvida por nossos antepassados de identificar gestos involuntários e assim descobrir se o chefe do bando estava de bom ou mau humor, quando nos aproximávamos dele; se ele estava ou não interessado em nossas mímicas; se sua atitude ia ser agressiva ou receptiva; saber se uma fêmea estava receptiva ou não, tec.

Conhecer estes gestos que indicavam o humor ou o estado de espírito dos outros, podia ser de suma importância para a segurança ou o bom relacionamento dentro do grupo.

Bom, evoluímos, aprendemos a falar, mas esses sinais involuntários, essa linguagem corporal permaneceu, embora a maioria das pessoas tenha desaprendido a interpretá-la. Mas ela é importantíssima para o nosso dia a dia e pode nos revelar coisas, a respeito das pessoas com as quais convivemos, que nem imaginamos.

Ela é vital em reuniões de negócios, no flerte, no convívio familiar, enfim, em muitas situações da vida em que pequenos gestos, podem nos mostrar uma realidade bastante diferente daquela que tentam nos mostrar.

Há muitos anos, uma jovem adolescente fugiu de casa, deixando os pais desesperados; pouco tempo depois, mandou uma foto para tranquiliza-los, onde aparecia sorrindo; suas duas mãos fortemente fechadas, no entanto, indicavam que ela vivia um momento de grande ansiedade e preocupação.

Em uma conversa, por exemplo, braços cruzados, indicam que a outra pessoa está na defensiva; se ela se inclina para trás, é sinal que ela está querendo fugir da situação. Já em uma paquera, quando a mulher mostra a palma de uma das mãos para cima, ela esta indicando que está receptiva à conversa do outro. E assim, existem milhares de sinais não verbais, que indicam claramente o que as pessoas estão sentindo, mesmo que digam o contrário. Há dezenas de livros que ensinam a identificar tais sinais, basta procura-los.

Mas, no âmbito das Artes Marciais, dos conflitos físicos propriamente ditos, há um inconfundível conjunto de sinais que indicam claramente como o inimigo vai nos atacar: são os sinais emitidos pelos olhos. Antes de qualquer ataque, seja um chute, um soco, etc., o oponente mede, com um breve movimento dos olhos, a distância da parte do corpo que ele usará para atacar (o pé, por exemplo), até o alvo (sua cabeça).

É um movimento muito rápido e muito sutil, mas com a prática, ele se torna inconfundível para nós, permitindo que prevejamos como o golpe será aplicado, permitindo efetuar a defesa com facilidade. O problema é que quase ninguém reconhece mais esses sinais.

Como todo aprendizado, este exige muita atenção, muita prática e ataques honestos de nossos oponentes; mas, acima de tudo, uma mudança geral dos conceitos encontrados em alguns livros, nos quais li que o Aikidoista não deve fixar seu olhar em nada, mantendo uma visão ampla do que ocorre ao seu redor.


Não é bem assim que a coisa funciona. Devemos fixar o olhar, sim, nos olhos do oponente. Por uma breve fração de segundo. Para em seguida, depois de dominá-lo, expandir o olhar ao redor, para não ser surpreendido por outros atacantes.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

AIKIDO: ARTE MARCIAL OU COREOGRAFIA?




O AIKIDO ATUAL: ARTE MARCIAL OU COREOGRAFIA?

As Artes Marciais nasceram nos campos de batalha; da necessidade dos guerreiros de desenvolverem e aperfeiçoarem métodos de combate ou de defesa, que aumentasse suas chances de sobreviver aos conflitos.
Nos tempos de paz, essas técnicas eram ensinadas em escolas especializadas onde as pessoas buscavam esses ensinamentos, muitas vezes com o objetivo de assimilar seus conceitos, melhorar a auto disciplina ou pura e simplesmente de aprender um tipo de defesa pessoal.

Ô Sensei, mesmo antes de criar o Aikido, sempre foi um guerreiro. Pelos motivos que todos conhecem, fundou sua própria Arte Marcial que, apesar de menos agressiva e com objetivos diferentes, ainda era uma Arte Marcial, um método de defesa pessoal.

Do mesmo modo, nosso saudoso Kawai Sensei também era um guerreiro; em um vídeo que percorreu as redes sociais, tempos atrás, ele iniciava falando: - “Aikido primeiro saúde, depois defesa”. Ele, igualmente, acreditava que a prática do Aikido era benéfica não só para o corpo, mas também para a mente; contudo considerava o Aikido um método de defesa pessoal, uma Arte Marcial.

Com o tempo, distorcendo o conceito do não uso da força e da não resistência, muitos praticantes começaram a praticar o Aikido de uma forma muito branda, onde o atacante (chamado Uke) não mais atacava com vigor, e quem aplicava a técnica (chamado Nague) não o fazia com energia, acabando, o atacante, por cair sozinho, antes mesmo da conclusão da técnica, tudo em nome de uma suposta e ilusória harmonia.

Uke e Nague passaram a colaboravam um com o outro. Isto se perpetuou, virou um padrão e causou uma degradação da técnica.

Com o passar do tempo, isso deve ter causado o descrédito na eficiência desta Arte Marcial como meio de defesa, pois  muitas vezes ouvi, em minha própria academia, alunos solicitando ao Sensei que desse algumas aulas especiais, voltadas para defesa pessoal.
 De repente, ninguém mais acreditava no Aikido como método de defesa pessoal.
Com isso, cada vez mais o Aikido foi deixando de ser uma Arte Marcial, para se tornar uma simples coreografia; uma dança onde uma das partes finge que ataca, enquanto a outra finge que aplica uma técnica.

Não defendo, de forma alguma, que o Aikido deva ser violento ou, de qualquer maneira, usar a força; defendo apenas que quem ataca, o faça de verdade e deixe o outro concluir a aplicação de sua técnica, em forma de defesa, sem força nem violência, mas de forma elegante, precisa e, conseqüentemente, eficiente.

Mas a grande maioria dos praticantes prefere treinar desta forma.
Isso está errado? Creio que não necessariamente; relembrando as palavras de Kawai Sensei: -“Aikido primeiro saúde...”. Se praticar Akido desta nova forma está fazendo bem a quem o pratica, ótimo, que continue assim e desfrute das benesses dessa prática.

O que não pode ocorrer é que se pretenda que isso vire o padrão de treinamento, com todos praticando Aikido desta forma, deixando, definitivamente, de encarar o Aikido como Arte Marcial, como vem ocorrendo. É preciso que não se perca a essência desta conceituada Arte Marcial com práticas que divergem daquelas idealizadas por seu fundador e que vem modificando seu estilo, em nome de uma suposta evolução e aperfeiçoamento técnico.

“...Os mestres antigos ensinaram seqüências e movimentos para que pudéssemos desenvolver uma boa técnica. E até a técnica mais simples contém princípios profundos. Muitos praticantes se focam demais na técnica externa. Isso faz com que eles duvidem da tradição dos mestres e criem novos truques. Entretanto, se se depender demais de técnica, mais cedo ou mais tarde se chegará a um impasse, porque a técnica física possui um limite...” (1)

Como sempre, no meu conceito, o Aikido e a vida se confundem e seguem os mesmos princípios, ficando difícil diferenciar um do outro.

Um paralelo, aqui, pode ser traçado por um empregado que não desempenha bem as suas funções no trabalho; mas como o salário que ele recebe é baixo, o patrão não cobra muito dele e nem o manda embora. Em resumo: um finge que trabalha enquanto o outro finge que paga um salário; nenhum dos dois ganha nada com tal situação e as possibilidades de evolução tornam-se nulas.

Acho que isso vale para tudo na vida; se for fazer alguma coisa, faça-a bem feita, com todo o empenho que puder; só assim terá uma chance de obter sucesso naquilo que se propôs a fazer.



1 - (trecho do conto: As maravilhosas técnicas do gato velho).

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

SORTE OU AZAR?



SORTE OU AZAR?

Muitos reclamam da sorte, ou, mais frequentemente, da falta dela, culpando, muitas vezes, o destino por sua condição.

Há uma expressão árabe que diz “Maktub”, que significa “estava escrito”, no sentido de que as coisas que nos acontecem estavam escritas em nosso destino. Será?

Eu diria que tudo depende da perspectiva com que se olha cada situação; como em um conto da China antiga.(1)

“Em um vilarejo, havia um camponês que tinha um belíssimo e brioso cavalo; os vizinhos o admiravam e diziam:
 - Que sorte você tem de possuir tão belo cavalo!
- Não, sei, não sei... respondia o ajuizado camponês.

Um dia, o cavalo fugiu e todos os vizinhos vieram consola-lo dizendo:
- Lamentamos a má sorte que tenha fugido seu belo cavalo.
- Não sei, não sei... repetia o camponês.

Aconteceu que, no outro dia, o cavalo voltou acompanhado de uma tropa de belos cavalos selvagens.  Logo, todos os vizinhos vieram para felicita-lo pela excelente sorte. Mas ele, imperturbável só repetiu:
- Não sei, não sei...

Um tempo mais tarde, seu filho, domando um dos cavalos selvagens, caiu e quebrou a perna. Os vizinhos correram para consolar o pai, comentando sua má sorte; este, como de costume disse:
- Não sei, não sei...

Pouco tempo depois, teve inicio uma terrível guerra e todos os jovens foram convocados a marchar para a frente de batalha, menos o filho acidentado. Todos disseram:
- Isso sim que é sorte. E o camponês respondeu:
- Não sei, não sei...”

A história mostra a atitude inabalada de um camponês, diante de fatos que ocorrem em sua vida, sejam eles bons ou maus, que não dependem de sorte ou azar, como acreditam os demais moradores da vila. Não se abalando com estes acontecimentos, ele mantém sua estabilidade emocional, não se deixando abater com os revezes, quase sempre passageiros, que o acometem de vez em quando.

Quem, por outro lado, tem uma visão pessimista e acredita que cada acontecimento desfavorável em sua vida é fruto do azar, tem também a tendência de se abalar emocionalmente e ficar se lamentando do ocorrido, em vez de seguir em frente, superando o infortúnio que o acometeu. Muitas vezes, ansiedade e depressão resultam desse hábito.

Os conceitos de “sorte” ou “azar” não passam de superstições ou crendices populares, perpetuadas por pessoas que tem uma visão muito limitada da vida.

Assim da próxima vez que lhe acontecer algo de ruim; bater o carro, por exemplo, não fique se lamentando ou reclamando do azar; pode ser que do outro carro desça aquela pessoa que será o grande amor de sua vida. Na pior das hipóteses, o seguro paga o prejuízo. Mas que seria uma grande sorte, seria.



Referência:


1-      Do livro de Masafumi Sakanashi

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

MARUBASHI



MARUBASHI

Frequentemente tenho vistos nos treinos nos quais participo, que a maioria dos praticantes, mesmo graduados, ficam parados esperando pelo ataque do oponente e só quando este o atinge, inicia a aplicação da técnica. Muito se fala em adiantar-se ao ataque, não deixando o oponente segurar, muitas vezes erguendo o braço instantes antes do contato, tentando, com isso, obter certa vantagem na aplicação da técnica; mas, mesmo assim, permanecem estáticos esperando que o ataque chegue até eles.

Agindo assim, permitimos que o atacante ganhe o controle da situação, pois consegue desferir seu golpe com força máxima, no ponto exato onde havia planejado e, muitas vezes, tirar o equilíbrio do NAGE (aquele que se defende e aplica a técnica).

Pensando nisso, transcrevi um texto a respeito do conceito de MARUBASHI:

“A filosofia que subjaz a essa técnica percebe a vida como uma estreita ponte de tronco lançada sobre um rio de corrente impetuosa. Ao ficar face a face com o inimigo no meio da ponte, não temos escapatória: Recuar, ou mesmo hesitar, significa ser seguido e derribado pela espada; fugir para a direita ou esquerda é cair no rio turbulento. Escolher a vida é morrer.
O único caminho é o caminho do inimigo. Não pode haver separação, mas uma troca de tempo e espaço, com o espírito de avançar para dentro do próprio coração do inimigo. É o espírito do Irimi.
Só pelo desapego ao tempo e ao espaço, à vida, alcançamos a verdadeira liberdade de escolher a morte. A ponte e a vida são a mesma coisa. O céu e o inferno existem agora, a infinitude existe agora. Escolher a morte é viver.”(1)

Esse é um dos conceitos mais importantes do Aikido, mas, lamentavelmente, um dos que eu menos vejo sendo aplicado; avançar na direção do inimigo, assim que ele inicia o ataque, para assim controla-lo.

Eu traço um paralelo com a vida, afinal, para mim os princípios do Akido deveriam ser os mesmos da vida. Quando em seu trabalho, por exemplo, você percebe que está surgindo algum problema, você espera ele crescer e chagar até você, ou logo ao percebê-lo você vai ao seu encontro e o resolve logo.
Assim é a vida, assim é o Aikido.





1-      Desenho e texto do livro:

O Aikido e a Harmonia da Natureza – Mitsug Saotome

terça-feira, 29 de setembro de 2015

DEUS



DEUS

Sou ateu convicto, mas nem por isso deixo de ter minha espiritualidade; para mim Deus existe dentro de cada um de nós; uma centelha divina que pode ser desenvolvida até que se atinja a iluminação.

Esta matéria não tem por objetivo desrespeitar, nem tampouco menosprezar ou questionar as demais religiões ou seus seguidores.

Muitas pessoas escalam o Monte Fuji a cada ano, mas nem todos vão pelo mesmo caminho. O Fujiyama tem diversos lados e cada pessoa sobe por uma razão diferente, com diferentes habilidades. Não se discute qual caminho é o certo, porque o cume é o cume e todos os caminhos levam à mesma verdade última.

Algumas culturas cultivam a ideia da existência de várias divindades; a mitologia grega é o exemplo mais clássico, mas existem muitas outras. A humanidade tem por hábito atribuir a Deuses, os fenômenos naturais que não entendem; assim, para nossos índios o raio era o Deus Tupã; os vulcões, para os indonésios, que eram obrigados a sacrificar belas jovens para aplacar sua ira; etc.

Um bom exemplo é o Japão; lá as múltiplas divindades são relacionadas aos fenômenos naturais, tais como: montanhas, rios, ventos etc. No Xintoísmo, essas divindades são chamadas KAMI; a ideia pode parecer meio mística, mas se analisarmos sobre outro ponto de vista, podemos entender melhor:

A ideia de que existem muitos KAMI, bem como um KAMI original pode parecer paradoxal; e a ideia de que os KAMI governam o funcionamento das montanhas e dos rios, da terra e dos céus, das árvores e dos pássaros, pode ser incompreensível para aqueles que foram educados na ciência moderna. Entretanto, se substituirmos os KAMI pelas leis da física, as leis que governam os fenômenos naturais, fica claro que o universo está estreitamente ligado por inter-relacionamentos e que os KAMI, as leis da física, são a mesma coisa.(1)
Toda a matéria contida no universo é feita da mesma coisa, da mesma energia essencial. Seja um corpo humano ou uma montanha, qualquer que seja a coisa ela é formada por átomos. E, embora a qualidade e a quantidade difiram, parece haver uma inteligência universal em todas as coisas, nela produzindo ordem.

Nos átomos, os elétrons giram em torno de um núcleo, em uma órbita constante, não colidindo contra ele, nem dele se desgarrando, mantidos por uma força eletromagnética; por outro lado, no núcleo, os prótons e nêutrons são mantidos unidos pela força nuclear, evitando que se afastem, tudo numa perfeita harmonia, como se houvesse uma inteligência suprema a controla-los.

Desde tempos remotos, a humanidade, mesmo sem conhecer tais leis, percebe algo que se parece a um poder misterioso que as controla; que se manifesta através da perfeição e da harmonia dos fenômenos naturais, – e dá-lhe o nome de DEUS.

E assim evoluíram todas as religiões. No início, algo que trazia muitas vezes medo, mas também conforto e amparo a seus seguidores; com o tempo, virou o motivo dos mais sangrentos conflitos vividos pela humanidade; fato que presenciamos até os dias de hoje e com o qual continuaremos convivendo até o fim; afinal, nosso Deus e mais poderoso do que o deles...


Referência:

1- Mitsug Saotome


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A ENERGIA DOS OPOSTOS



A ENERGIA DOS OPOSTOS

Outro dia, sentado sobre uma pedra, fiquei longo tempo observando o vai e vem das ondas do mar.
Quando vinha, a energia da onda revolvia a areia do fundo; ao voltar, arrastava pequenas conchas, devolvendo a energia, num fluxo constante.
Demorei um tempo até entender que aquilo era a respiração da natureza. O eterno movimento de vai e vem, fluxo de energia da vida.
Como a nossa respiração, um eterno fluxo de energia, a alternância entre aspirar e expirar.
A própria manutenção da vida, que faz nosso sangue circular pelo corpo, é composto de um breve relaxamento, seguido de uma breve contração de músculos de nosso coração.
Até mesmo o sublime momento da concepção, não passa de uma delicada alternância entre movimentos de empurrar e puxar; uma passagem de um estado de puro desespero para uma explosão de alívio e relaxamento.
Assim é a harmonia da natureza: um eterno fluxo de energia entre os opostos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O SILÊNCIO



O SILÊNCIO


Há mais de 2.500 anos, um general chinês, chamado Sun Tzu, escreveu em seu livro “A Arte da Guerra” uma frase que considero como uma verdade suprema: “se você se conhece e conhece o seu inimigo, não precisa temer o resultado de cem batalhas...”.

Conhecer o inimigo é relativamente fácil: pesquisa e observação acabarão por revelar detalhes da personalidade, comportamento, modo de pensar e agir, etc., o que tornará fácil a tarefa de enfrenta-lo e vencê-lo.

Conhecer a si mesmo, já não é tarefa tão simples. Muitos vivem a ilusão de se conhecer, mas poucos realmente atingem um grau mais profundo de autoconhecimento.
 Não me refiro a pessoas normais que tem a cabeça constantemente envolta em pensamentos, ora no passado, ora no futuro, raramente no presente, mas ainda assim, pensando incessantemente. Refiro-me a chegar ao âmago do nosso autoconhecimento, um estado de silêncio interno onde conseguimos ser nós mesmos, não nossos pensamento.

O momento em que, livre dos pensamentos, atingimos a plena consciência de nós mesmos.
Pensamento e consciência não são sinônimos. O pensamento é um pequeno aspecto da consciência. O pensamento não pode existir sem a consciência, mas a consciência não necessita do pensamento; pelo contrário, é sufocada por ele.(1)
O silêncio é o momento da mente vazia,  da consciência, sem pensamentos.

Mas como encontrar o silêncio? Esta é a parte mais difícil, pois a mente está sempre repleta de pensamentos que vem com muita rapidez. A mente não consegue ficar em silêncio. (2)
É do interior da mente que perguntamos: como conseguir o silêncio? Não haverá silêncio algum, pois a mente estará pondo fim ao silêncio. A mente é um estado mental que, no final das contas, é a causadora de muitos problemas. Isso não quer dizer que a mente não tenha um propósito. Na verdade ela é feita de propósitos e pode ser usada para uma infinidade de coisas. Ficar em silêncio, porém, não é uma delas.

A verdade é que acabamos transformando-nos em mentes. Quando acordamos, não entramos na realidade, pois a mente imediatamente assume o controle de tudo. O verdadeiro despertar, não visa alcançar um certo estado da mente; visa alcançar um estado de ausência da mente, um estado de auto consciência – o lugar do silêncio.

Mas qual é este “lugar do silêncio”? Difícil de responder; mas às vezes, sem nos darmos conta, vemo-nos numa situação cotidiana, sem fazer nada em especial e sem nenhum pensamento na mente, muitas vezes apenas a contemplar uma bela paisagem.

A mente é apenas a série de nossos pensamentos; não é substância; é mera procissão de pensamentos; nenhum dos quais significa absolutamente nada até o agarrarmos e fazermos algo com ele. Esteja atendo a esses momentos em que não há pensamentos, isso é o silêncio.

Mas os pensamentos movem-se com muita rapidez; como achar um intervalo entre eles? Não sei, mas uma coisa é certa, os intervalos estão lá. Quanto mais consciente nos tronamos desses momentos de não pensamento, mais familiares e mais fácil será sustenta-los. Aquele intervalo realmente é você.

Mas se você achar que atingiu o silêncio, isso é novamente um pensamento e, onde houver um pensamento, você não poderá estar.

Então, quando atingir este estado de silêncio, não analise, apenas sinta. Senão a mente novamente assume o comando e voltamos a ser controlados por nossos pensamentos.




(1)   – Eckhart Tolle

(2)   – Philip Dun

terça-feira, 25 de agosto de 2015

O DEBATE ZEN



O DEBATE ZEN

Quem nunca se envolveu em alguma confusão por causa de um mal entendido?
Acontece com certa frequência e, no mais das vezes, termina em discussões ou desentendimentos, até mesmo entre pessoas amigas. Mas por que isso acontece?

Creio que em grande parte por nossa tendência de fazer um julgamento precipitado dos fatos; um pré julgamento, ou um pré conceito que fazemos das pessoas, baseados em nossos próprios defeitos ou limitações. A ideia é mais ou menos essa: Se não entendo meus problemas, como entender ou aceita-los em outras pessoas? E isso nada mais é do que uma deficiência em nosso autoconhecimento.

Novamente uma deficiência em nossa capacidade de conhecer a nós mesmos; qualidades e defeitos, capacidades e limites.

Quanta confusão poderia ser evitada se parássemos para analisar a situação, antes de tirar conclusões precipitadas; o que ele quis dizer com isso? Teve mesmo a intensão de provocar ou ofender? O que eu teria feito nessa situação? São atitudes simples, que poderiam mudar, no mais das vezes, o resultado de uma situação.

Uma historinha sobre dois monges zens, de autoria desconhecida, exemplifica bem a situação.

“Existia um mosteiro Zen, conduzido por dois irmãos. O mais velho era muito sábio, o mais novo, ao contrá­rio, era tolo e tinha apenas um olho. Para um forasteiro conseguir hospedagem por uma noite nesse convento, tinha que vencer um dos monges, num debate sobre o Zen-Budismo.
Uma noite, um forasteiro foi pedir asilo no convento e como o velho monge estava cansado, mandou o mais novo confrontar-se com ele, com a recomendação de que o debate fosse em silêncio. Desta forma, o monge tolo não cometeria enganos.
Algum tempo depois, o viajante entrou na sala do sábio e disse: “Que homem sábio é seu irmão! Conseguiu vencer-me no debate e, por isso, devo ir-me”.
O velho monge, intrigado, perguntou :”O que aconteceu?”
E escutou a resposta: ”Primeiramente, ergui um dedo, simbolizando Buda e seu irmão levantou dois, simboli­zando Buda e seus ensinamentos. Então, ergui três dedos, para representar Buda, seus ensinamentos e seus discípulos e meu inteligente interlocutor sacudiu o punho cerrado, à minha frente, para indicar que todos os três vem de uma única realização”.
Pouco depois, entra o monge tolo, muito aborrecido e é saudado pelo irmão, que lhe perguntou o motivo de sua chateação. E o caolho rsponde: ”Este viajante é muito rude! No momento em que me viu, levantou um dedo, in­sultando-me, indicando que tenho apenas um olho. Mas, como ele era visitante, eu não quis responder a ofensa e ergui dois dedos, parabenizando-o por ele ter dois olhos. O miserável levantou três dedos, para mostrar que nós dois juntos tínhamos três olhos. Então fiquei furioso e ameacei dar-lhe um soco, com o punho cerrado e ele foi embora.”



Os conflitos podem ser evitados, desde que mudemos nosso hábito de agir por impulso e passemos a analisar melhor cada situação, evitando possíveis mal entendidos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O MEDO




O MEDO

Todos nós, em algum momento da vida, já sentimos medo. Seja o irracional medo de uma barata ou o medo real quando nos encontramos sob alguma ameaça; de uma situação real ou mesmo imaginária. O fato é que o medo acaba fazendo parte de nossas vidas.

Porém o medo é aprendido. Não nascemos com medo. Se nascêssemos com medo, jamais deixaríamos o útero materno. (1)
São nossos pais, mestres e amigos que nos ensinam o medo. Por outro lado, se não mudarmos esse processo, também ensinaremos nossos filhos a ter medo.

E o medo acaba sendo a verdadeira origem de todos os conflitos, de todas as guerras. A ideia funciona mais ou menos assim: sinto-me ameaçado por ele, fico com medo dele; é melhor ataca-lo logo, antes que ele o faça.
Assim, o conflito e a guerra nascem do medo. Não há mistério algum a respeito disso tudo. É a coisa mais simples do mundo: nem esotérica, nem espiritual, apenas real.

A preocupação é um mau uso da imaginação, ocasionada pelo vício do medo, nem mais, nem menos do que isso.

O problema surge quando ficamos viciados no medo; nós o amamos, nós o afagamos e também o odiamos e lamentamos, mas não conseguimos nos livrar dele. Esse é o tipo de vício mais poderoso que existe, pois se reafirma a cada segundo de cada dia.

O problema talvez seja que não entendemos o medo, nós o sentimos, fugimos dele, mas não sabemos realmente o que ele é.

Há muito tempo, inventei, para uma pessoa que sofria de um medo incontrolável, uma história a respeito do medo, personificando-o como um monstro horrível, de aparência assustadora, que vive a nos perseguir e do qual vivemos a fugir apavorados.
Este monstro porém, apesar de horripilante e terrível, é lento e só consegue caminhar devagar; mas por outro lado, caminha incessantemente, dia e noite sem parar.

Podemos fugir dele, nos afastando para um lugar distante; mas se pararmos para desfrutar de um período de sossego, mais cedo ou mais tarde ele acaba por nos alcançar e volta a nos assombrar.
Aí fugimos de novo, tentando um lugar mais distante; demora um pouco mais, mas o ser que nunca para sempre acaba por nos alcançar e provocar terror. Parece uma sina que vai nos perseguir para sempre.

Esta criatura horrível, porém, tem um ponto fraco que a torna vulnerável e que pode facilmente aniquilá-la. Ela não resiste e sucumbe quando a encaramos de frente, olhando bem no fundo de seus olhos e fitando-os por alguns segundos. Ao fazermos isso, não podendo suportar tal situação, ela se evapora como que por encanto, nunca mais voltando a nos assombrar.

Assim é o medo: ele pode ser vencido, desde que tenhamos a coragem necessária para  enfrenta-lo. Cabe a cada um decidir a hora de fazer isso.



1-      Philip Doon

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

CONFLITOS INTERNOS



CONFLITOS INTERNOS


Talvez um dos maiores problemas que aflige as pessoas seja o sofrimento gerado por dúvidas e incertezas; uma espécie de conflito interno onde frustações e realizações parecem envoltos em uma luta sem fim, nos campos de batalha de nossa mente perturbada.

Possivelmente a maior de todas as fragilidades de que padece a humanidade é a debilidade de não conhecer ou aceitar suas próprias fraquezas, o que os impede de encontrar o “mago” que existe dentro de cada um.(1)

No mais sutil de todos os níveis, o Guerreiro da Paz aprende que a verdade nasce da atenção interior; de um nível de consciência elevado, que nasce dessa atenção.

Sem essa consciência, os opostos continuarão a lutar entre si, e o potencial para o conflito suplanta o potencial para uma coexistência pacífica. É daí que vem o sofrimento.

Devemos sempre nos lembra: Tudo tem seu par.
Não há prazer sem dor, não há amor sem ódio, não há força sem fraqueza, não há vitória sem fracasso. Porém, esses eventos são, na verdade, pares, não opostos. Um não existe sem o outro.
Costumamos pensar que podemos ter um sem o outro, porque gostamos de um e não do outro. Mas não, eles só vem aos pares.
Também costumamos pensar que gostaríamos de ser mais alegres e possuir mais certezas, em vez de estarmos tristes e cheios de dúvidas.
Na verdade, quando percebemos que algo forma um par com aquilo que víamos como seu oposto, deixamos que ambos passem.
Não é necessário estar em dúvida ou ter certeza, estar alegre ou triste.
Podemos apenas ser.



1-      Philp Doon

sexta-feira, 3 de julho de 2015

A ESPADA QUE DÁ VIDA



A ESPADA QUE DÁ VIDA


Ocorreu há um certo tempo um fato curioso, que me fez repensar um pouco um conceito básico do Aikido. Tive uma discussão com um dos seguidores do meu blog e uma pessoa que nada tinha a ver com a conversa enviou-me uma mensagem, bastante malcriada, dizendo mais ou menos o seguinte: - Você que fala tanto em “encerrar conflitos”, fica insistindo nesta discussão ...

Com isso percebi que o conceito de “interromper um conflito”, é uma definição meio vaga e de difícil definição em relação a seus limites.

Uma das premissas do Aikido, formulada por seu fundador: Ô Sensei, é a de que no Aikido não existe a ideia de vencer ou destruir o oponente, mas pura e tão somente “interromper o conflito”. Mas quando se pode considerar que o conflito está definitivamente interrompido?

No Dojo, ao finalizar uma técnica, teoricamente o conflito está encerrado, de forma suave e harmoniosa.

Mas e na vida real? Se você for atacado por algum maluco que quer lhe agredir? Você aplica a técnica que melhor se adequar à situação e imobiliza o agressor. E daí? Se você soltá-lo ele vai investir novamente contra você, talvez até de forma mais agressiva; você aplica nova técnica e o imobiliza; mas até quando?
Talvez, então, neste caso “interromper o conflito” seja deixar o agressor em um estado que ele não tenha mais condições de continuar atacando? Devemos fazer com que ele perca a consciência? Quebrar alguma coisa? Quem pode responder?

A resposta a isso veio a mim, bem representada em uma passagem de um livro que conta a historia da vida de Yagyu Munenori, cujo nome é o título desta postagem.

Nas palavras de Munenori: “A espada pode ser usada para matar, mas também pode ser utilizada para preservar ou dar vida. Por meio da Espada que dá Vida, um espadachim deveria ser capaz de subjugar um oponente sem mata-lo; ou poderia ter que matar um oponente perverso, interrompendo um conflito, salvando a vida de inúmeros outros que poderiam estar sendo ameaçados por ele”.

Munenori viveu no século 16, hoje não usamos mais espadas, mas a lição deixada por ele será sempre verdadeira: Interromper um conflito pode ser simplesmente imobilizar um conhecido descontrolado, a fim de evitar que ele se machuque ou machuque alguém; mas pode também envolver uma atitude muito mais drástica se estivermos sendo atacados por um estuprador, ou por alguém que tenta matar-nos.


sexta-feira, 26 de junho de 2015

FAIXA ERRADA



FAIXA ERRADA

O FUNCIONÁRIO PÚBLICO E A PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE

O serviço público, seja em que esfera for, concentra o maior número de pessoas incompetentes, despreparadas, vagabundas e quantos adjetivos pejorativos a mais se queira acrescentar.
Falo com bastante propriedade, pois sou um deles e sei das dificuldades que enfrentei cada vez que precisei reunir um pequeno número de funcionários para montar uma boa equipe de trabalho.
Estes maus funcionários deveriam permanecer estagnados na carreira, com baixos salários a que fazem jus. Porém, aí entra a perversidade maior do serviço público: a promoção por antiguidade, que permite a esta escória progredir na carreira apenas pelo tempo em que são funcionários.
Todos (pelo menos aqueles que ainda continuam lendo o artigo) devem estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com o Aikido.
Infelizmente, tem bastante. Tenho visto, ao longo dos anos, que alguns alunos, embora muito antigos e frequentadores assíduos, por mais que treinem, não conseguem desenvolver uma boa técnica, ficando estagnados.
Mesmo assim, muitos Senseis, para que eles não desanimem e parem de treinar ou para “dar um incentivo a eles”, acabam indicado-os para prestar exame e mudar de faixa.
E, como se sabe, hoje em dia, ninguém mais é reprovado.
Se no serviço público este fato apenas onera os cofres públicos, no Aikido penso que a situação é bem mais grave e pode levar a situações perigosas.
Explicando: eu procuro adequar a intensidade da aplicação de cada técnica de acordo com a faixa que o Uke tem amarrada na barriga; com um faixa amarela, jamais aplicaria uma técnica como faço com um marrom ou preta, por exemplo.
Porém, com essas “promoções por antiguidade”, as vezes pode ocorrer de eu aplicar uma técnica em alguém, de uma forma que ele não está preparado para receber e acabar provocando algum dano.
Aconteceu comigo, há algum tempo, com uma pessoa que eu gostava muito e que portava na barriga uma faixa verde; durante a aplicação de uma técnica (que eu apliquei de forma compatível com um verde), ele não soube cair e acabou tendo um problema sério no diafragma por causa da queda. Dias depois meu Sensei repetiu a técnica com vários alunos, sem que ninguém saísse machucado.
Em resumo: Aquela pessoa não deveria, em hipótese alguma, portar uma faixa verde, pois não estava prepara para isso.

Não quero, de forma alguma, criticar os Senseis, pois sei que cada um tem seus critérios de avaliação para indicar os alunos para prestar exame, mas apenas alertar os outros praticantes para o fato de que nem sempre se poder confiar na relação que deveria existir entre a graduação de um praticante e aquilo que ele realmente sabe tecnicamente.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A COMPETIÇÃO NAS ARTES MARCIAIS



A COMPETIÇÃO NAS ARTES MARCIAIS


Desde que o homem se fixou à terra para cultivá-la, começou a acumular riquezas, que passaram a despertar a cobiça de outras pessoas, obrigando o produtor a desenvolver métodos de defesa que garantissem a segurança sua e de seus bens.
Posteriormente, nos campos de batalha esses métodos de defesa evoluíram pela necessidade dos guerreiros de desenvolverem e aperfeiçoarem métodos de combate ou de defesa, que aumentasse suas chances de sobreviver aos conflitos.
Assim surgiram as diversas artes marciais que hoje conhecemos, todas elas criadas e desenvolvidas para enfrentar algum tipo de conflito.
Nos tempos de paz, essas técnicas eram ensinadas em escolas especializadas, onde as pessoas buscavam esses ensinamentos, muitas vezes com o objetivo de assimilarem seus conceitos, melhorarem a auto disciplina ou pura e simplesmente de aprender um tipo de defesa pessoal.
Talvez por influência da cultura ocidental, muitas artes marciais passaram a ser praticadas como competição, muitas até virando esportes olímpicos.
Isso, porém, descaracterizou estas artes marciais como método de defesa pessoal passando a ser uma mera competição.
Um texto de Mitsug Saotame, compara essa degradação sofrida em função dessa mudança de enfoque em algumas artes marciais, com aquelas que ainda são baseadas em um Budô (como o Aikido):

“... Adestrar-se no budô é estudar a realidade. A verdade da realidade não pode ser percebida por um coração repleto de questões sobre vitória ou derrota.
Quando o objetivo do adestramento é vencer, desenvolve-se uma consciência esportiva. Torna-se um jogo, não a realidade. Tem de haver regras pra proteger os competidores e o resultado nada decide.
Eis as únicas perguntas feitas na competição: Quem é o mais forte, segundo as regras? De quem é a técnica mais fulminante, segundo as regras? Nunca conheceremos o verdadeiro eu por meio da competição, pois jamais conheceremos as nossas verdadeiras reações, mas apenas a nossa estratégia.
Quando se está à beira do castigo supremo, quando a única resposta é  a vida ou a morte, a reação – portanto o resultado – é completamente diferente. Livre de regras, sendo a sobrevivência a única consideração, os muito fracos podem tornar-se muito fortes e os muito fortes, podem perder a sua força, em virtude do medo.
Quando a vida não está em jogo, é fácil esquecer que a força física e a habilidade técnica tem limites. O ego quer esquecer essas limitações e agarrar a oportunidade de crescer numa proporção surreal. A verdade se perde e o treinamento se distorce.
A força espiritual do treinamento do Budô desaparece quando a questão de vida e morte não é relevante. Se você se apega à vitória, como renunciará ao apego à vida e à morte? Como renunciará ao ego para penetrar na mente do inimigo?

O Budô não é esporte. É um caminho, uma atitude de vida.”...

sexta-feira, 12 de junho de 2015

GIRI



GIRI

Creio que não existe uma tradução exata para esta palavra japonesa. Mesmo o conceito de GIRI é de difícil compreensão para a cultura ocidental. Certa vez, uma Sensei da qual fui aluno e por quem sempre tive uma grande admiração, traduziu GIRI como “a obrigação de sentir gratidão”; por muito tempo pensei a respeito da resposta, mas era impossível compreender como alguém poderia sentir gratidão apenas por obrigação.
Na época, antes de cada aula, varríamos e passávamos um pano úmido no tatame; uma forma de contribuir com a aula que se seguiria, com a própria academia onde iríamos treinar e onde estávamos aprendendo uma Arte Marcial.
De tempos em tempos, ajudávamos em pequenos reparos que eram necessários no Dojo, para que, com isso, tivéssemos um lugar melhor para treinar.
Fazíamos isso voluntariamente e creio que até sentíamos um certo orgulho de estar colaborando com a academia, onde vários Senseis nos ensinavam, pacientemente, os conceitos e técnicas do Aikido. Aos poucos, fui percebendo que fazíamos isso, as vezes um trabalho árduo, pela gratidão que sentíamos pelos nossos Senseis e pelo Dojo, por estarem nos transmitindo ensinamentos tão valiosos.
Pensando desta forma, me veio à mente um conceito que, apesar de não ser uma tradução exata do termo GIRI, representava o que eu sentia a respeito dele: GIRI representaria “as obrigações advindas da gratidão”. Assim, por sermos gratos a nossos Senseis, sentíamo-nos na obrigação de retribuí-los de alguma forma.
Isto em mim permanece até hoje; não só pelo Kawai Sensei, mas por todos os Senseis com quem treinei.
Porém, infelizmente o conceito de GIRI está caindo no esquecimento; o assunto não é mais comentado em aula e não percebo nos colegas este sentimento de gratidão.

Hoje, é triste constatar que a maioria  dos antigos conceitos estão se perdendo; creio que a maioria dos alunos atuais sequer ouviu falar em GIRI e tampouco desenvolveu, por seu Sensei, ou por seu Dojo, qualquer sentimento de gratidão. 

sexta-feira, 5 de junho de 2015

O MITO DE MIYAMOTO MUSASHI



O MITO DE MIYAMOTO MUSASHI


Muitos praticantes de artes marciais veneram a figura de um famoso espadachim do Japão medieval, chamado Miyamoto Musashi (1584? – 1654), de quem dizem ter sido o maior Samurai que já existiu, não tendo nunca perdido um duelo. Esses admiradores ressaltam as virtudes e qualidades quase divinas deste espadachim, tomando-o como exemplo a ser seguido e venerando-o como a um Deus.

Porém, a coisa pode não ser bem assim. A história de Musashi é um pouco diferente daquela idealizada por seus admiradores. Talvez, influenciada pelo romance de Eiji Yoshikawa que em vez de retratar a vida desse espadachim, mistura romance e ficção, distorcendo a realidade dos fatos.

Para começar, o maior espadachim do Japão medieval, pode ter sido Yagyu Munenori, instrutor de combate com espadas e membro da guarda pessoal de três gerações do clã Tokugawa (os Shoguns: Ieyasu, Hiderada e Nobuyasu).
Em uma passagem, durante o cerco ao castelo de Osaka, um grupo de vinte ou trinta homens do inimigo surpreendeu e invadiu o acampamento de Tokugawa Hiderada; os homens do Shogun foram surpreendidos, enquanto os invasores rapidamente se dirigiam ao Shogun. Ali, entretanto, eles confrontaram um Samurai de meia idade que aguardava calmamente em frente ao cavalo do Shogun; o homem deu um passo à frente e, com incrível rapidez, destreza e graça, matou sete atacantes, dando aos guardas do Shogun tempo para se reagruparem  e contra atacar os inimigos; este samurai era Yagyu Munenori.(1)

Outro fato que desqualifica e desmoraliza completamente Musashi como Samurai, foi o ocorrido na batalha de Sekigahara; Musashi lutava do lado dos Toyotomi (lado que perdeu a batalha) e teve que fingir-se de morto para sobreviver(2). Ora, isso é inadmissível a um Samurai, para quem a honra está acima de qualquer coisa e para o qual é preferível morrer a conviver com a desonra.

Um Samurai sempre teve um especial cuidado com o asseio e a aparência; antes de partir para um combate, cortava as unhas, banhava-se e perfumava-se; se fosse morto em combate, não queria que o oponente pensasse que ele era um qualquer.
Musashi, ao contrário, vestia-se e portava-se feito um mendigo, não se importava com a roupa que usava e raramente penteava os cabelos. Não tomava banho, pois dizem que nunca largava as espadas para nada.(2)
Passava longos períodos vivendo no meio da mata, em condições duríssimas, testando seus limites.

Outro fato que compromete sua honra (se é que um dia a teve) envolve a morte, em duelo, de um jovem de 13 anos da família Yoshioka. Musashi desafiou e venceu vários membros da família, até que sobrou apenas o garoto para enfrenta-lo; Musashi deveria ter poupado a vida de um simples criança, mas ao contrário, matou-o e fugiu de vários outros membros da academia Yoshioka, numa fuga alucinada. Por mais essa desonra, Musashi deveria ter cometido seppuku.

No fim de sua vida, no entanto, Musashi foi viver como eremita em uma caverna, onde dedicou-se a escrever um dos mais fantásticos livros sobre tática e estratégia, intitulado: “O Livro dos 5 Anéis”, comparável ao “A Arte da Guerra “ de Sun Tsu, ou ao “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel. Por esta maravilhosa obra, sim, o reverencio.


1-      A ESPADA QUE DÁ VIDA – Editora Cultrix

2-      MUSASHI – Karem Gimenez – Editora Abril

sexta-feira, 29 de maio de 2015

CRIAÇÃO DO JO



A CRIAÇÃO DO JO

As técnicas do Aikido  evoluíram a partir de técnicas de lutas com espadas; por este motivo, até hoje, treinam-se alguma técnicas usando uma espada de madeira chamada Boken.
Além do Boken, o Tanto e o Jo, também são armas utilizadas em alguns treinos; o primeiro uma faca, o segundo um bastão, ambos de madeira, que além de auxiliarem no aprendizado do Aikido, constituem- se excelentes métodos de defesa adicionais. (De posse de um Jo, um praticante bem treinado pode facilmente vencer 4 ou 5 oponentes).

Pratiquei durante anos com meu falecido Mestre, Kawai Sensei, basicamente técnicas com o Jo. Ele é bastante ágil, pois pode golpear com as duas extremidades, além de ser, segundo dizem, a única arma capaz de vencer a espada, podendo até quebra-la. Além do mais, na hora do aperto, dificilmente se tem uma espada em mãos (ainda que de madeira), ao passo que, qualquer cabo de vassoura, vara de pesca, etc., se transformam num excelente Jo. Assim o Jo, sempre foi minha arma preferida e treino regularmente, a fim de aprimorar minha técnica.

O bastão de madeira sempre foi uma importante arma, nos mais diversos tipos de artes marciais;  a criação do Jo envolve uma lenda do Japão medieval, que cita o duelo entre dois Samurais jovens e arrogantes.

“Era comum nos idos de 1600, os Samurais peregrinarem pelo Japão, em busca de aperfeiçoamento. O duelo realmente aconteceu, mas os detalhes do mesmo perderam-se no tempo, restando apenas algumas lendas narrando o ocorrido.  Um dos envolvidos era Muso Gonnosuke Katsuyoshi, especialista em Bojutso, ou luta com o Bo, que era um bastão longo. 
Gonnosuke deve ter sido extraordinariamente hábil com o bo, porque ele nunca foi derrotado em seus duelos. Do outro lado, estava  Myamoto Musashi, também com 20 e poucos anos, um dos maiores espadachim do Japão e também se gabava de nunca ter perdido um duelo.
Conta a lenda que o primeiro encontro entre Muso Gonnosuke e Musashi ocorreu quando Musashi encontrava-se perto de Kofu, nas vizinhanças de Edo (atual Tóquio). Musashi estava sentado num jardim trabalhando num arco que ele estava fazendo com madeira. Sem nenhum aviso, Gonnosuke se aproximou e, dispensando qualquer introdução ou mesmo uma saudação, anunciou um desafio a Musashi e imediatamente lançou um ataque potencialmente fatal com o seu Bo. Quase sem se levantar, Musashi evitou o ataque e contra-atacou, atingindo, com maestria, Gonnosuke com o pedaço de madeira que tinha em mãos, porém poupando-lhe a vida.
Essa derrota infame de Gonnosuke deve ter sido devastadora. Ele não estava ferido, a não ser em seu orgulho, mas a convicção em sua habilidade com o Bo tinha certamente sido abalada.
Decepcionado, Gonnosuke isola-se em uma montanha, cercada por florestas espessas, fontes de água e despenhadeiros profundos. Ele passa os dias em meditação e em práticas extenuantes com o Bo, ao mesmo tempo em que realiza rituais religioso austeros. No 37° dia de isolamento recebeu a resposta na forma de um sonho.  Neste sonho uma criança dizia a ele  “segure um bastão arredondado, com medida de 4 shaku, dois sun e um bu (aproximadamente 1,28 m)”. Gonnosuke atribuiu ao seu sonho uma manifestação divina, o que não era incomum nas artes marciais do Japão antigo. Como resultado do sonho, Gonnosuke criou o Jo, um bastão de madeira de 1,28m capaz de vencer a espada.
Após um período de treino, Gonnosuke volta a desafiar Musashi para um novo duelo; não é possível saber exatamente com que técnica Gonnosuke derrotou Musashi, mas o fato é que Musashi foi totalmente e convincentemente derrotado, pela única vez em sua vida.”

Algumas versões da lenda conta que os dois acabaram ficando amigos, após o segundo duelo.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

UM PUNHADO DE SAL



UM PUNHADO DE SAL

As vezes, até o mais fortes dos guerreiros se deparam com tal quantidade de problemas na vida, que superam sua capacidade de enfrenta-los, de resolvê-los ou de suportá-los.
Isso, se transforma em uma dor que aos poucos vai minando suas resistências, causando um estado de cansaço extremo que chega a exigir, da mais simples das tarefas, um esforço hercúleo.

Há uma antiga lenda a respeito de um jovem com um problema, que procura um sábio Mestre:

“Certo dia, um jovem muito triste, procurou um velho Mestre para aconselhar-se sobre como aplacar a sua imensa dor.
O velho Mestre pediu a um jovem triste que colocasse uma mão cheia de sal em um copo d'água e bebesse. 
- Qual é o gosto? - perguntou o Mestre. 
- Ruim. - disse o jovem sem pensar duas vezes.
O Mestre sorriu e pediu ao jovem que pegasse outra mão cheia de sal e levasse junto com ele ao lago. Os dois caminharam em silêncio, e quando chegaram lá o mestre mandou que o jovem jogasse o sal no lago.
 O jovem então fez como o mestre disse. 
Logo após o velho disse: 
- Beba um pouco dessa água. 
O jovem assim o fez e enquanto a água escorria do queixo do jovem o Mestre perguntou: 
- Qual é o gosto? 
- Bom! - o jovem disse sem pestanejar. 
- Você sente o gosto do sal? - perguntou o Mestre.
 - Não, disse o jovem.
O Mestre então sentou ao lado do jovem, pegou em suas mãos e disse: 
- A dor na vida de uma pessoa não muda. Mas o sabor da dor depende de onde a colocamos. Quando você sentir dor, a única coisa que você deve fazer é aumentar o sentido de tudo o que está a sua volta.
Sair da toca escura e fria onde você vive e se permitir ampliar os seus horizontes e possibilidades.

É dar mais valor ao que você tem em detrimento ao que ao que você perdeu. Em outras palavras: É preciso deixar de ser como o copo, para tornar-se um Lago.”